terça-feira, 14 de abril de 2009

Garapa doida

"Cachaça não se faça de besta, desça pra barriga e não suba pra cabeça."

Eu adoro ouvir, referindo-se a uma coisa que gosta de fazer, a pessoa falar assim: Isso é a minha cachaça! A expressão lembra um dos ícones brasileiros que só há poucos anos saiu do limbo de bebida marginalizada. Foi assim também com outros símbolos populares do Brasil. O samba, o carnaval, a feijoada, o milho, a mandioca, como a cachaça, nos primeiros tempos, só eram "consumidos" pelos famigerados três pês: pobre, preto e puta.

No Brasil, desde a Colônia, a elite foi buscar referência no exterior. O que era nosso ficava em lugar subalterno, destinado ao populacho. Embora esse domínio cultural prevaleça até hoje em alguns segmentos (divirta-se numa cidade grande lendo o nome dos prédios, lojas, comidas... parecendo que arquitetos, lojistas, chefes de cozinha querem ser americanos ou europeus. Ridículo!), em 1 922, com a Semana da Arte Moderna, alguns intelectuais iniciaram um movimento pelo resgate da cultura brasileira em todos os seus aspectos.

Assim, algumas manifestações mais puras da pátria passaram a ser adotadas também pela burguesia, a cachaça entre elas. Hoje, não só nos botequins, com sua consagrada embaixadora, a caipirinha, ou pura, a cachaça já pode ser encontrada até em afamados bares e restaurantes. Ainda, contudo, não desfruta a cachaça do mesmo status dos destilados estrangeiros: uísque, vodca, tequila, rum, brandies.... Enquanto o Brasil exporta por ano 20 milhões de litros de cachaça, que lá fora chamam de brasilian run, o México exporta 100 milhões de litros de tequila e a Rússia, 2 bilhões de litros de vodca. De qualquer forma estamos crescendo e para esse avanço internacional não bastou apenas a propaganda. As cachaças estão sendo melhor produzidas. Busca-se melhorar sua imagem e diferenciá-las das pingas industriais, produzidas com destilação de coluna. Boa parte da produção da cachaça passou a ser artesanal, eliminando-se, para chegar a ela, a "cabeça" e a "cauda", aproveitando-se só o "coração" da destilação. Há um rigoroso controle da produção, desde o plantio da cana, chegando alguns produtores a aderirem a programas de certificação que dão garantia de qualidade ao consumidor da bebida.

Claro que a cachaça custa mais caro que a pinga, mas o seu sabor é inconfundível. A ressaca também. Compra-se garrafa de boa cachaça por 15 ou 20 reais. Sem mesmo ser um cachaçólogo ou pingófilo, só de olhar para ela e sentir seu cheiro, dá para reconhecer uma boa cachaça. A memória olfativa remete o degustador para o melado e rapadura. Ao aroma da cana. "Eita, sô, essa é a tal da garapa doida! E das boas, meu!" Alguns preconceitos também estão sendo quebrados, o que facilita a aceitação da cachaça. Ela pode ser servida ao natural ou gelada (conservada no freezer), pura ou com frutas, sozinha ou simultaneamente com água mineral, feita para consumo imediato (prata) ou envelhecida (ouro), como aperitivo ou como digestivo após as refeições, em qualquer copo ou em taça de cristal, cuja transparência e curvas do bojo permitem a melhor fruição do aroma e observação da cor da bebida.

Boas cachaças são produzidas no Brasil inteiro. Até em Ubiratã, com a Invicta. São mais de 5 mil marcas, com a produção de cerca de 1 bilhão e 300 milhões de litros. No início de maio, em São Paulo, vai acontecer a 6ª Feira Internacional da Cachaça. A história de bebidas de cana-de-açúcar é antiga, desde os antigos egípcios, gregos... No Brasil chegou com os portugueses, em meados do século XVI, sendo servida inicialmente para os escravos na primeira refeição, para lhes dar ânimo para o trabalho. A aguardente é resultado da destilação do mosto fermentado de cana-de-açúcar, com graduação entre 38% a 48%, ao volume de 20°C. A cachaça faz parte de nossa cultura popular e história econômica, sendo a mais popular bebida nacional.

Ah! eu já ia esquecendo: beba com moderação, para ela não se fazer de besta e subir pra cabeça.
* valdir d'alécio

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